A banda
Posso não ter uma vida adulta tranquila. Mas não posso reclamar da minha adolescência. Criado numa pequena cidade do interior paraibano (Alagoinha), fui um privilegiado em poder correr pelas ruas da minha cidade descalço e sem camisa, jogar bola na praça principal, empinar pipa, pescar, caçar, jogar pião, bola de gude e tocar na banda de música municipal.
Foram mais de dez anos dentro da banda, desde os tempos de “tirar” as lições teóricas em frente ao nosso maestro - batendo com as mãos o compasso na mesa para não perder o tempo de cada nota - até a profissionalização. Sim, nos tornamos profissionais. A prefeitura nos pagava. Tínhamos até contracheque.
Éramos músicos!
Ganhava-se pouco, é verdade. Mas éramos invejados por participar da banda de música. Se hoje temos no futebol a família Scolari, na época, a família Minan na música. Éramos realmente uma família. Era nossa segunda casa. Tínhamos até uma pelada semanal. Viajávamos com frequência, em tocatas para municípios vizinhos a convite de outras bandas e prefeituras ou simplesmente para passear na praia.
Ensaiávamos frequentemente. Mas mesmo fora dos períodos de ensaio, era comum, ao se andar pelas ruas da cidade – desde o centro até as ruazinhas não pavimentadas – escutar sons solitários de tuba, clarinete, sax, piston, trompa, trombone. Sons que às vezes poderiam parecer estranhos e ininteligíveis para quem os escutava. Mas quem os emitia estava dando os primeiros passos tentando domar seu instrumento ou já era o solista principal, colocando “embaixo dos dedos” aquele dobrado complicado ou aquela valsa nova. Eram os meninos do maestro Minan ensaiando.
Dessa persistência, nasceram os melhores músicos da banda da polícia militar da Paraíba. Surgiram grandes profissionais pelo Brasil afora. Das lições batidas na velha mesa, numa casa alugada pela prefeitura, para o resto do país.
O sete de setembro era para nós o ápice. O grande concerto. O show. O coroamento de nosso trabalho. Durante todo ano, passávamos ensaiando dobrados, marchas, valsas, sambas e frevos. Tocávamos em retretas, alvoradas, inaugurações públicas, comícios, procissões e até, excepcionalmente, em funerais. Mas era para o sete de setembro que nos preparávamos, efetivamente. Aquelas horas dedicadas aos ensaios em conjunto ou isolados em casa, aquele gosto de sangue no lábio vindo de tanto ensaiar, aquele calo em cima do polegar direto (para os clarinetistas, como eu), tudo isso tinha um propósito: desfilar pela banda no dia sete de setembro.
Ficávamos imaginando o dia em que acordaríamos cedo, pegaríamos a farda impecavelmente engomada, sapatos brilhando, boina e gravata; e entraríamos em formação para conduzir solenemente os colégios e escolas do município, passando - com peito erguido, lágrima no rosto, os dedos um pouco tremendo – em frente ao palanque oficial, onde as principais autoridades da cidade nos observavam curiosamente, como se aquele momento fosse nossa prestação de contas ao povo por mostrar o produto de tanto esforço e treino. E não há presente melhor que a música!
A banda do Maestro Minan. Como toda família, há momentos de alegria e momentos de conflito entre seus membros.
Mas nada separa o mesmo sangue que corre em suas veias. Passados trinta anos, a família Banda Cidalino Pimenta cresce a cada dia. Há músicos de gerações distintas que ainda não se conhecem - como ocorre com parentes distantes -, mas sentem a ligação que os une e os unirá pelo resto de suas vidas, assegurando definitivamente a perpetuidade do clã, cuja fraternidade vem do laço musical.
Ádney, 03/07/2013
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