13 de fevereiro de 1923. Há cem anos nascia Joacil de Brito Pereira. Quem diria. O tempo passou ligeiro. Até há pouco, pode-se dizer, a presença dele era certa em todo acontecimento relevante de nossa vida política e cultural. Mesmo nos anos outonais, quando a idade já lhe começava a pesar, enquanto lhe foi possível, nunca deixou de comparecer a nada que julgasse merecer apoio e prestígio. E o prestígio era sempre conferido por ele ao evento, fosse qual fosse, e não o contrário.
Sim, foi realmente, na plena expressão da palavra, uma presença. Alguém que, por sua intensa atuação na vida pública paraibana, fazia-se notar, não passava nunca em branco, despercebido, mesmo quando permanecia
na plateia, disponível para aplaudir os outros, se fosse o caso. Sempre elegante, de paletó e gravata, como os homens de sua geração, participou, de uma forma ou de outra, com mais ou menos protagonismo, de praticamente tudo de importante que aconteceu em nossa urbe por quase setenta anos. Não poderia, portanto, jamais ser ignorado. E não o foi.
A vida pública, no alto sentido que tinha até meados do século passado, foi sua genuína vocação. A vida a serviço do interesse e do bem públicos, da coletividade, da pólis. Não a vida voltada exclusivamente para as finalidades privadas, pessoais e familiares, desvinculada das questões maiores da cidade e da pátria. Daí seu gosto pela política e pelas funções institucionais, mais do que pelo escritório de advocacia, onde adquiriu merecido renome desde cedo.
Ao seu tempo, a vida pública estava indissociavelmente ligada à oratória. De maneira geral, os homens públicos eram quase todos oradores, praticantes da palavra falada com eloquência, fosse em palanques, em auditórios, nas praças e em qualquer lugar onde houvesse audiência, até nos cemitérios, se houvesse conveniência ou necessidade. E ele foi, sem nenhuma dúvida, um dos nossos maiores. Fez da tribuna sua aliada e sua trincheira, e nela granjeou respeito e admiração. Contemporâneo de José Américo, de Alcides Carneiro, de Ernani Sátiro, de Vital do Rego, de Raimundo Asfora e de tantos outros paraibanos que se notabilizaram como oradores de escol, não lhes ficou atrás em talento e brilhantismo.
Na política, assumiu sem medo as posições ditadas por suas convicções, arcando conscientemente com o respectivo ônus. Sabia que as oposições de todo tipo eram naturais e inevitáveis, e que a unanimidade era impossível e até mesmo indesejável. Viveu como ator – e não como mero espectador – os desafios e controvérsias de sua época, buscando ser fiel a si e aos seus valores. Despertou, como seria de se esperar, antagonismos, mas estes, sabemos, é o tributo que toda pessoa pública tem que pagar por seus posicionamentos, sejam eles quais forem.
Homem de temperamento forte, mas não sempre, pois tinha seus momentos de doçura. Guerreiro e apaziguador, a depender das circunstâncias. Nunca morno, nunca mais ou menos, nunca omisso. Tomava partido e assumia as consequências. Sabia enfrentar e sabia atrair. Marcou, com ênfase, sua passagem pela vida e pelo mundo. Deixou um nome. Deixou uma obra. Uma biografia, enfim, à espera de um biógrafo, que bem poderá ser seu filho Eitel, herdeiro de seus dons e seguidor de seus passos.
Ao lado do político, cultivou sempre o intelectual, o homem de letras e de pensamento, fato que lhe permitiu estender suas atividades até o final, sem nunca conhecer o ostracismo. A Academia Paraibana de Letras foi o centro da fase derradeira de sua vida, espaço privilegiado onde sua vocação pública foi exercida em plenitude para a promoção da cultura, em seus múltiplos aspectos.
Nessa seara, seus interesses foram muitos e sua bibliografia é vasta. Mas duas figuras exponenciais atraíram de modo especial sua atenção de estudioso e de escritor: José Américo de Almeida e Ascendino Leite. Estes dois gigantes paraibanos e brasileiros foram duas admirações suas, aos quais dedicou alentados ensaios biográficos que logo se constituíram em referência sobre ambos.
Já em seu outono, a despeito da diferença de idade, tive a oportunidade de conhecê-lo mais de perto, sem nunca transpor os umbrais de sua intimidade. É que ambos pertencemos, como membros, ao Instituto de Estudos Kelsenianos, entidade informal criada pelo juiz federal João Bosco Medeiros, que regularmente se reunia para conversar sobre o mestre da Teoria Pura do Direito. Nesses encontros, doutor Joacil sempre tinha com que encantar os confrades, principalmente quando deixava Kelsen de lado e se punha a falar gostosamente sobre personagens e fatos da história recente da Paraíba. Eu, relativamente moço ainda, ouvia-o com a reverência e a delícia com que os que não viveram nada – ou pouco - escutam os que viveram tudo.
Faz pouco mais de dez anos que ele nos deixou, em 29 de agosto de 2012. Mas sua presença de político e de intelectual entre nós foi tão intensa que é como se ele ainda estivesse conosco, atuante como sempre foi. Seu centenário de nascimento requer todas as comemorações. Ele fez por merecê-las todas.
Carlos Romero
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